6. “A Sagração dos Sons”, Sinfonia de Spohr

Este artigo foi publicado no Neue Zeitschrift für Musik em 1835 e incluído no Gesammelte Schriften über Musik und Musiker, tomo I, p. 109, sob o título original Die Weihe der Töne, Symphonie von Spohr. É assinado por Robert Schumann e o compositor visado é Ludwig (Louis) Spohr.

A Quarta Sinfonia de Spohr, construída sobre um poema de Carl Pfeiffer[1], é o primeiro poema sinfónico, propriamente dito, do Romantismo alemão, e também por isso o comentário de Schumann a encorajá-lo possui grande relevância a nível histórico e musical.

 

Tradução:

            “A Sagração dos Sons”, Sinfonia de Spohr

            Primeira apresentação em Leipzig em fevereiro de 1835.

Seria necessário apresentar uma terceira tradução para conseguir transmitir uma imagem àqueles que não ouviram esta sinfonia, já que o poeta deve as suas palavras ao seu entusiasmo pela arte musical que Spohr depois traduziu para música. Se conseguíssemos encontrar um ouvinte que nada soubesse sobre o poema nem sobre os títulos dos andamentos da sinfonia e que nos pudesse dar conta das imagens que esses lhe despertam, isso seria um bom teste para determinar se o poeta foi feliz na realização da sua tarefa. Infelizmente também eu já conhecia o intento da sinfonia e vi-me obrigado, contra a minha vontade, a substituir todas as representações da música que se me impunham de forma muito nítida pela roupagem bem mais concreta do poema de Pfeiffer.

Posto isto, debruço-me hoje sobre outra coisa. Se, contudo, critico o que serve de base a esta música, este texto precisamente, e por consequência também a essência da sua ideia, que fique entendido que tal não deverá conduzir ao questionamento daquilo que de resto constitui uma obra-prima musical.

Beethoven conheceu bem esse perigo que correu com a Sinfonia Pastoral. Nas palavras que colocou à cabeça “mais expressão de sentimento, como na pintura” reside toda uma estética para compositores e é bastante ridículo quando os pintores o retratam junto de um ribeiro, com cabeça apoiada na mão e escutando o burburinho da água. Parece-me que na nossa sinfonia o perigo estético foi ainda maior.

Se alguém alguma vez se isolou dos outros, se alguém se manteve fiel a si próprio desde a primeira nota, esse alguém é Spohr, com o seu belo lamento eterno. Mas como ele vê tudo como que através das lágrimas, também as suas figuras se transformam em imagens etéreas sem forma, para as quais dificilmente existirá um nome; trata-se de um som perpétuo, certamente composto e mantido pela mão e espírito de um artista, bem o sabemos. Depois, lança toda a sua energia sobre a ópera. E da mesma forma que para um poeta essencialmente lírico conseguir ascender a uma maior força criativa não há melhor conselho do que estudar os mestres da arte dramática e fazer tentativas por iniciativa própria, então também se poderia prever que a ópera, na qual ele teve que seguir acontecimentos, introduzir ações e personagens, o arrancaria da sua monotonia sonhadora. Jessonda[2] nasceu-lhe do coração. Contudo, no seu trabalho instrumental manteve-se basicamente o mesmo: a terceira sinfonia, apenas de forma aparente, se distingue da primeira. Ele sentiu que teria que se aventurar num novo passo. Talvez por ter dado atenção à Nona Sinfonia de Beethoven, cujo primeiro andamento talvez contenha a mesma ideia poética que o primeiro andamento da sinfonia de Spohr, ele se tenha refugiado na poesia. Que peculiar, contudo, foi a sua escolha e, por outro lado, que fiel à sua natureza! Não escolheu Shakespeare, Goethe ou Schiller, mas sim um poeta com menos forma ainda do que a sua (se dizer isto não for grande ousadia), um louvor das artes sonoras, um poema que descreve os seus efeitos, descrevendo portanto através de sons os sons que o poeta descreveu, louvando a música através da música. Quando Beethoven reuniu e expôs os seus pensamentos sobre a sinfonia pastoral não foi somente porque houve um singelo dia de Primavera que lhe despertou um apelo de alegria, mas antes porque lhe presidiu toda uma amálgama, obscura e convergente, de elevadas melodias superiores a nós (como Heine[3] afirma algures, segundo creio), toda a criação de infinitas vozes se movia em torno dele. O poeta de “A Sagração dos Sons” capturou-a com um espelho já bastante baço e Spohr voltou a refletir o que já fora refletido.

Porém, não me cabe a mim julgar a importância que esta sinfonia poderá ter enquanto obra musical no conjunto das novas obras, já que nutro admiração pelo seu criador; isso cabe antes aos famosos veteranos[4] que prometeram dar nota da sua opinião nestas folhas…

 

 

[1] Carl Pfeiffer. Die Weihe der Töne: Gedicht (Nestler & Melle, 1835)

[2] Jessonda é uma grande ópera (Grosse Oper em alemão) composta por Louis Spohr em 1822. O libretto foi escrito por Eduard Gehe. (N.T.)

[3] Christian Johann Heinrich Heine (Düsseldorf, 1797 – Paris, 1856) foi um famoso poeta romântico alemão. (N.T.)

[4] Foi o Sr. Ritter Ignaz v. Seyfried em Viena. (N.A.)

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